Sobre uma boneca
tagarela e um certo avô socrático
Eu no colo do meu avô Denizarth, festa de dois anos! Na esquerda, meu pai Manoel e minha mãe Denize. |
Não foi uma
infância rica e cheia de brinquedos. O espírito protestante que reinava para
dissimular a avarenta poupança paterna e a realidade material dos anos sessenta
fazia com que as brincadeiras fossem na rua, com os piques, com as rifas que
arrecadavam dinheiro para lanches coletivos e com os álbuns de figurinhas
premiados. Os objetos, ou brinquedos,
eram quase eventos. Foi assim com um certo álbum de figurinhas que ao final de
páginas exclusivas, se completadas, um prêmio era concedido.
Não é preciso
fechar os olhos para lembrar quando o já velho avô Denizarth chegou em casa com
a figurinha que faltava na mão. Uma alegria! No dia seguinte, de ônibus até o
centro da cidade para a busca da recompensa – a boneca Tagarela, enorme perto
do corpo franzino da menina de cabelos escorridos e olhar curioso. A boneca devia medir cerca de sessenta
centímetros, tinha olhos verdes vitrificados e cabelos lisos castanhos claros.
Não, o site intitulado “Brinquedos Raros” descreve: boneca, fabricação 1965, 50
cm, fábrica Estrela. Parecia maior. Parecia humana porque falava quando era
acionado um cordão que ficava nas costas da boneca. Mamãe era pouco. A boneca
fazia perguntas!
Do avô também
vinha a lembrança das barracas feitas de colchas e cobertores, de lençóis, montadas na sala, entre as poltronas verdes.
Dentro da caverna tudo refletia perfeito com a ajuda do pó de pirimpimpim,
mesmo com a perversão dos três porquinhos e algumas histórias de quase terror
que envolviam, quase sempre, personagens femininos com cabelos cortados à moda
francesinha: era meia noite! Dentro da caverna era possível sonhar e cantarolar
sem medo a música feita por ele: "Eu sou a netinha pequena, eu sou a
netinha Monique, agora eu sou pequenina, mas vou ser uma moça elegante e
dengosa e bem chique. Enquanto eu não faço sucesso, enquanto eu não causo
furor, eu não me incomodo que fique o amor da Monique, com o velho borocochô que
é seu avô!" Quanto amor, quantas e tantas histórias, inventadas,
detalhadas nos detalhes até cansar os olhos de acordar e ir dormir.
Este avô
protetor tinha, ainda, a mania de colher jacas e andar em círculos, declamando
poemas ou tentando resolver problemas de matemática. Eu o acompanhava, como num
balé, em ambas as tarefas. Professor era esse avô, que soube se fazer eterno
nos versos e no sangue tagarelo que corre por entre minhas veias, por entre
minhas letras, por entre minhas circulares perguntas. Todo o ano, todo o
semestre, há mais de 20 anos, desde sempre, o ato de ensinar ou o ato de contar
histórias, verdadeiras, inventadas, reveladas, enfrentadas, revoltadas,
apaixonadas é acionado em mim como se naquele cordão da antiga boneca. O prêmio
– o direito de sonhar. O presente – o
eterno vir-a-ser. Obrigado meu vô professor Denizarth Adacto Pereira de Mello.
Quando eu crescer quero ser igual a você. E tudo isso me fez lembrar uma dessas
frases que circulam hoje na rede: "O mundo muda com teu exemplo e não com
a tua opinião".
#moniquefranco,
10 de abril de 2013.
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