sexta-feira, 27 de março de 2015

Dersu ou a primeira causa não causada

Fotografia: #moniquefranco, Leblon, 2015



que o fim possa ter sempre flores amarelas
que qualquer fim possa ser repleto de flores amarelas
qualquer flor amarela
lírios, margaridas, orquídeas
que sejam amarelas
qualquer tom de amarelo
amarelo meio caramelo
como ouro
escurecendo para o vermelho
como no sol poente
que o fim possa ser como no sol poente
que qualquer fim possa ser banhado pelo sol poente
seu clarão
potente
suas luzes em feixes largando rastros em cada entardecer
que qualquer fim possa ser banhado pelo sol poente
que gira, gira e traz de volta o amanhecer
porque qualquer fim contém em si o começo
cada partida chegada
porque qualquer flor contém em si todas as flores
o difícil é decifrar
a similitude
das cores
das flores
aparentemente diferentes
o difícil é decifrar
a similitude
do fim
do começo
aparentemente tão pontuais
por isso escalonamos os tons e separamos os gêneros
gostos, odores
fragmentamos o tempo
e assim vivemos como se em paz
ordenando e ordenado
o nome e fim de todas as coisas
nomes coerentes
representações estáveis
finalidades prováveis
fins prováveis

que o fim possa ter sempre flores amarelas
que qualquer fim possa ser repleto de flores amarelas
qualquer flor amarela
o difícil é decifrar
a similitude
das cores
das flores
aparentemente diferentes
o difícil é decifrar
a similitude
do fim
do começo
aparentemente tão pontuais
o difícil é decifrar
a diferença
aparentemente tão semelhante
que o fim possa ter sempre flores amarelas de todas cores
que o fim possa ser começo
a partida chegada
endereço de si.

#moniquefranco

domingo, 22 de março de 2015

Falta de juízo, sapatos tortos ou entre Van Gogh e Leminski

Sapatos tortos, Vicent Van Gogh
pensei que eram os dentes

nasci sem caninos
sem incisivos
laterais
a fala saía errada
era pouco dente demais
pensei que foi assim
o poema
veio como pintura
letra escrita
som do escuro
sem voz
ouvia um grito
alto

só hoje entendi
que foram os sapatos tortos
então tantas rotas
acabaram por trazer os caminhos
do poema em mim
que bom que foi assim

sapatos tortos
dentes de menos
tanto faz
se como nos Aedos
o poema é eficaz

também não tenho siso
então sempre achei
que poema
era mesmo
falta de juízo.


#moniquefranco, sem juízo ou sapatos, sempre andei descalça

Leiam!

Crônica de José Castello - Sapatos de Leminski

sábado, 21 de março de 2015

Raios ou sobre o amor laico


o que seria
o que teria sido
que agonia
e lembrar da alegria
possíveis eternidades
ou seriam ancestralidades
costumam surgir
em noites de lua cheia
tanto faz se é inverno ou verão
são momentos de crença
de eficácia e de gozo
mas a história ensina
a secularização
foi quando o amor ficou laico
mas perdeu toda a razão

o que seria
o que teria sido
que risco
não há como prever
a verdade de dar as mãos
sim
pode vir uma explosão
mas
fomos acostumados
a ter medo
de raios e trovões
pior
fomos educados a crer
o mel mais doce
é o mais difícil de ser encontrado
sofra
e serás recompensado
ou vai para o confessionário

veja
o cavalo branco é a coragem
o cavalo preto o desejo
e o cocheiro
a razão
não sei por quê
fui lembrar de Platão
cópia absoluta
o amor vagueia desde então.


#moniquefranco, filiando o coração.
fotografia: #moniquefranco, Petrópolis, Rio de Janeiro.

sexta-feira, 20 de março de 2015

De quando um verão termina, um poema para Clara ou parodiando - Não Prenda, não!

Prenda e suas prendices - março de 2015


de quando o verão termina
volta o vento a desenhar
onda na onda
folha na folha
flor sobrevive
fruta de conde derrete
na boca
e a paz corre no calçadão
mergulho rápido na água
pois o frio não tarda vem
arrepio
só a gente sabe que tem

de quando o verão termina
é preciso contar da “prendice” da gata
que rouba o iogurte da mesa
enquanto a outra entende
vida de princesa
é passado
mulher decidida
era um bebê 
gordinho 
custo a crer
e ficou tão alta
tão grande
tão soberba
essa menina
se pôs a crescer
e outros verões hão de volta trazer
pinta lá
mesmo se não for aparecer
país esquisito
até é bonito
dito pelo não dito
deixa disso
mas que exala prazer
não há quem não querer.

#moniquefranco, 20 de março de 2015

quinta-feira, 19 de março de 2015

Autorretrato II ou quando jovens crescemos



Pracinha Xavier de Brito - Tijuca, Rio de Janeiro
quando jovem
costumava
dormir em rede
ler Clarice
foi aí que comecei
escrever maluquices 
isso sem contar
as enchentes
do Rio Maracanã
as jacas
do Colégio São José
missa protestante aos domingos
cola na escola
diário de Anne Frank
o homem chegou na lua e a televisão coloriu
o primeiro beijo e a primeira rosa na pracinha
lindo o dia
Xavier de Brito é o nome
e sei que por lá ainda passeiam
os cavalos e as charretes
é no singelo
que a resistência faz

quando jovens
mesmo assim
brincávamos de pique
era um sucesso chiclete
e o arrasta fim de tarde
esperava o namorado
dia antes
touca no cabelo
pra virar depois de lado

quando crescemos
pintamos
o nosso retrato.

#moniquefranco


quarta-feira, 18 de março de 2015

Bula ou só para uns poucos





bula
de remédio
vem com aviso

quem bole
remedeia
vem também
faz de conta 
que não vê ninguém

bula
de maldade
vem com aviso

bula 
de mistério 
não
esse 
só mesmo quem pode tem
e não mostra
para quem não é ninguém


#moniquefranco, sem remédio mas com bula.
Fotografia: Adam Magyar

terça-feira, 17 de março de 2015

Premeditação ou efeito pérola

Fotografia:#moniquefranco, dezembro de 2014



pudeste meu rei
pudeste?
rasgar os adereços que vestes?
a manta é pesada
o fardo escolheste
viver a vida sorrindo
fazer de cada ato gentil
é engodo
que pode virar lodo
ostra feliz não faz pérola
um grão de areia é o bastante
para lembrares o que sucedeu
se tu não sabes
vá!
veja quem foi Prometeu !

pudeste meu rei
pudeste?
de perto olhar tua amada
sem precisar a ti defender com espadas
a fala é dura porque é vida
o sangue é quente porque circula
mas não existem verdades
puras
o que há são efeitos
feitos dos feitos
deixam lastros
abrem ou fecham rastros

pudeste meu rei
pudeste?
fazer a lição de casa
ir à gramática
das tuas afinidades desfeitas
e encarar frente a frente
que teus eleitos, teus leitos
não podem ameaçar teu reino
pois tuas armas
de tu mesmo escondeste
ou quebraste
em algum momento da estrada
logo tu que tens a arte da palavra
enfraqueceu dom divino
acorrentando de rima
o que é ventania e chuvarada
não te iludas
o poema não vem do nada
é o inconsciente clamando
sair em revoada

pudeste meu rei
pudeste?
esconder de ti o que a ti faz tão bem
só porque
o real a ti não convém
ele vem recheado de lutas
travadas
mas que delas tu desertaste
por isso como filho à casa retornas
e sempre há de haver
uma escusa na-morada
mas teu castelo é assombrado
tens muita dívida na memória
compraste e não pagaste
pois quando eras príncipe
tudo podias
mas por princípio rei te tornaste
mas te vestiste apressado
afinal só aprendeste
pular o muro ao lado
e o sabor sempre esteve no pecado
por isso quando rezas, oras, pedes
os Deuses dão gargalhadas
não vês?
estás de calças curtas
mesmo que teu jeans esteja surrado

efeito pérola
pares não antagônicos
tampouco necessariamente harmônicos
mas que emanam perfeição
ostra esculpida internamente
pela fina tarefa da mão
invisível
modo de proteção
a vida não ensina em vão
mas não espera a reencarnação
passa rápido
para quem não a pega pela mão
a felicidade é um estado
como nos ensinou o poeta
é do sofrer que vem o poder alado
de voar sem sair do chão
mas ao negar a dor
o mergulho é na escuridão
ainda que os gestos espalhem
o que de suposto chamas
gratidão

pudeste meu rei
pudeste?
rasgar os adereços que vestes?
a manta é pesada
o fardo escolheste
viver a vida sorrindo
fazer de cada ato gentil
é engodo
que pode virar lodo
ostra feliz não faz pérola
um grão de areia é o bastante
para lembrares o que sucedeu
se tu não sabes
vá!
veja quem foi  Prometeu!


#moniquefranco, com brinco de pérolas a mergulhar no vai e vem do mar