domingo, 7 de dezembro de 2014

Clementine, brilho eterno de um dia sem utopia ou sobre uma certa estrela cadente


Clementine, brilho eterno de um dia 
sem utopia ou sobre uma certa estrela cadente

O mundo das janelas azuis da empresa microsoft, espaço virtual que passou a habitar nossas vidas, cada dia com mais força, no mínimo, há duas ou três décadas, nos oferece uma ferramenta parecida com o mirabolante aparelho apresentado no belo filme de Michel Gondry, de 2004, traduzido no Brasil como Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças. Nele, no mundo virtual, restauramos o sistema numa determinada data. Voltamos no tempo e na estrutura da data então determinada. Tudo ou quase tudo de programas, de arquivos e de memórias voltam a funcionar, a partir dali, novamente. No filme, um médico neurocientista descobre uma técnica de apagar da memória entes queridos, reunindo as peças detonadoras de lembranças e voltamos ao tempo onde aquele passado não existe mais.

Mas a vida não é um filme e não possuímos ferramentas de retroceder no tempo para além das lembranças que ficam nos episódios, nos ares, nos toques. Não há como dar um restart em datas passadas. Temos sim como retomar a vida a partir de um novo marco, cujo princípio seja cada um de nós. E aprender quem vale ou não ser lembrado. E entender o que devemos matar. Morrer para fazer matar. A famosa morte do pai ou a morte de Deus. Morremos, sabemos, todos os dias, ao viver. A opção de ter a vida como centro deste fluxo é quase sempre nossa. Existem formas de vida mortas. Seres mortos-vivos. Os que não conseguem a si mesmos ver e deixam a vida passar sem viver, sem ao menos saber, a si, ler, compreender.

O mundo do amor, esse estranho sentimento, posto que nos coloca constantemente reféns quando deveria representar a liberdade, carece, muitas vezes, de uma certa utopia para prosseguir. E com o escritor uruguaio Eduardo Galeano aprendemos simplesmente que “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

Utopia vem dos radicais gregos /não e topos/lugar, ou seja, o não-lugar. O conceito foi cunhado pelo escritor inglês Tomas More, no início do século dezesseis, num livro homônimo que descreve uma sociedade perfeita em todos os sentidos. É com esse não-lugar que muitos não conseguem se relacionar na busca constante pela estabilidade enquanto o curso é o que rege. Não se agarra o fluxo, tampouco se solta nele. O fluxo é energia que faz mover todas as formas de ser e estar. Viver e morrer.

Protótipo do amor romântico, da cara metade, a outra face da laranja, a utopia amorosa parece conter o mesmo sentido perigoso da busca da perfeição ou da harmonia, contido no conceito inicial, dotado, ainda, de uma racionalidade que nem sempre nos habita. E isso vem marcando e aniquilando subjetividades e afetos ao longo do tempo, posto que essa perfeição nos escapa ou decepciona, posto que inexiste. É o não-lugar. A concepção trazida pelo professor Julio Groppa Aquino, de que amor não é o que completa e sim o que transforma, é emblemática desse contexto. Não o que estanca, mas o que movimenta. O amor é fluxo heraclitiano. Em tempos de amores líquidos, entender que o fluxo é denso e contém em si todos os elementos do uno é tarefa para ser ensinada. A arte cumpre esse papel quando incita expor parte do todo. Cada obra de arte é um pedaço de um ser, parte de um todo. E movimenta.

Mas tendo como princípio o conceito utópico, chegamos, com frequência, a um paradoxo, este entendido como limite de um sistema, limite que imputa aos sujeitos envolvidos uma tomada de decisão. Sim ou não, para onde seguir. Há os que nos limites paradoxais da vida deixam o barco à deriva. Há os que tomam o leme e traçam caminhos, mesmo que difíceis, mesmo que desafiadores.

Assim se faz a história.

A história é feita de nossas mãos, ações e determinações, e o brilho eterno da noite será sempre o das estrelas cadentes, que riscam o céu para informar: olha! passo rápido, se você não me admirar, ver, entender e comigo traçar enredos... vou simplesmente apagar. E o brilho eterno mais uma noite escura irá se tornar. E perdemos o brilho e isso fica em cada um de nós, a perdurar.

Maior do que qualquer suicídio, é a morte da alma: deixar passar as estrelas cadentes e não ver.

#moniquefranco, no limite paradoxal de um sistema

Vale assistir a fala do Julio Groppa sobre a temática

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