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Enigmas das meias invisíveis e pares improváveis ou...
da
estabilidade fortuita dos vôos anônimos
Bons momentos estes de revisões.
Totalmente diferentes do que havíamos orquestrado nas antecipações, eles nos
inter-pelam de maneira singular. Cabe a nós decifrá-los e envolvê-los em um
curso de possibilidades não-estagnantes.
Foi assim quando resolvi, num
destes momentos, organizar a gaveta de meias. Uma gaveta de meias – repleta, tantas
meias num país tão tropical!
Primeiro, investida ao cesto de
roupas, par análogo, – este, por sua vez, maravilhosamente praticamente vazio –
fato inédito que pode se tornar corriqueiro – pensei, imbuída da determinação
de tomar para mim à atuação na esfera do uso, para além do simples consumo do
cotidiano do lar. Político e poético seria este ato (ou será, sabe-se lá por
quanto tempo? – aí já seria um pacto!) posto que dele já deriva tanto a
arrumação em si (da gaveta, das meias e dos pares) quanto desta escritura.
Mas o fato é que me deparei com
32 meias... sem par. Trinta e duas para deixar em extenso a extensão dessa
enormidade tanto de meias quanto de faltas. Meias sociais, esportivas, de frio,
de calor, compridas e soquetes. Meias. Resolvi encarar e contar. No total,
temos 45 pares completos de meias numa gaveta de um adolescente que trabalha e
assume paulatinamente as feições de homem responsável (porém, não maduro).
No contato direto com a gaveta –
encontros. Alguns marcados pelo tempo, com pares destoantes, desbotados,
deformados, fruto, provavelmente, do uso das meias com pares não semelhantes.
Seria confuso, mas não é. Acontece. Sabemos. Outros achados perfeitos, enfim
juntos, meia-sumida e par-pé-encontrado.
Tirando meia dúzia de novas (quase
todas velhas) meias sem par surgidas da própria gaveta, quase uma armadilha de
desencontro no encontro ou de ampliação na redução, pois seria mais uma vez
suposto que a ida à gaveta servisse para diminuir o número de faltas e não
aumentar, doze meias solitárias, perdidas, sem uso adequado, encontraram, pelo
menos até a próxima lavada ou faxineira, seu destino estável. Tênue
estabilidade.
Mas fica a pergunta feita por uma
amiga querida, num desses papos que não se sabe como começou ou de onde veio,
provavelmente envolvendo algum conteúdo alcoólico, e que marcam, de maneira
decisiva, certos dilemas: afinal, por que somem a meias?
Teriam os pés chegado em casa sem
uma delas? Separações de percurso entre o uso e o retorno? Ab-usos? Teriam elas
ficado pelo caminho, ganhado movimento imanente e como num sopro volátil e não
volúvel se separariam dos pés e atravessariam os sapatos, tênis, botas, até
sandálias? E em meio à trajetórias, sem serem percebidas, com ou sem medo, anônimas,
quase únicas, enfim, voariam? Ou teria sido no conforto aparente do encontro,
ali, meia-a-meia, par-a-par, que a separação se deu. Meta-meia, coitada, se
perdeu! - fora do corpo, do par estável
ou do pé. Longe do pé-par, ainda que perto,
na gaveta ou no cesto, o que teria ocorrido ? - captura de vôo-rumo ou decisão voluntária?
No fim... qual a diferença se seu
pé estiver quentinho num fim de tarde de inverno lendo até aqui? Faça você o
teste e vá até a sua gaveta, de meias, pés ou pares, e quem sabe restabeleça
seus encontros sem que necessariamente, neste caso, talvez apenas neste caso,
você precise escolher qual par de meia usar.
#moniquefranco, Leblon, fim de tarde descalço.
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