terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Catracas livres, sobre 2015 e os anos que virão ou para o Davy



Catracas livres, sobre 2015 e os anos que virão ou para o Davy

catracas livres
escreve um amigo
marca no tempo
de todos nós
um ano morre
para outro nascer
nada é em vão

catracas livres
voo certo
de quem luta
constrói trajetória
deixa tanta memória
que filhos e netos
orgulhosos contarão
em prosa, em verso
em canção
ou quem sabe
a história
vira filme
desses
dos bons!

catracas livres
indica vida
a fluir
neste e nos anos que virão

que a arte continue
a bater em nossa porta
catracas livres
a unir
nossos corações
essa é a nossa preciosa revolução
reinventar o mundo
que está nas nossas mãos.


#moniquefranco, 30 de dezembro de 2014
Fotografia: #moniquefranco, 31 de dezembro de 2013, Praia do Leme, Copacabana. Um ano rosa que me trouxe Roses!

In: Dedicatórias


sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

CINETRILHAS - Sobre Blue Jasmine ou dos encontros comigo."Bom de ouvir e ver".




Sobre Blue Jasmine 
ou dos encontros comigo


Foi num dia chuvoso, em plena segunda-feira, em que provamos um caldo de couve-flor com gorgonzola de uma barraquinha de rua, depois tapioca de banana com canela e um tanto de leite condensado. Isso depois de ver o último filme do Woody Allen, Blue Jasmine, que foi lançado em New York e San Francisco, em julho e, no Brasil, no último 15 de novembro. As cenas da simplicidade da deliciosa comida servida ali, na saída do metrô, com o barulho dos trens cosmopolitas compondo o tempero, muito provavelmente, também, a poluição oriunda deles, exalada por aqueles grandes respiradores na calçada, se encaixavam perfeitamente com o cenário ora luxuoso, ora periférico do filme, ora nostálgico, ora de crua realidade. Mas o que valia mesmo era estar ali, na vida real e simplesmente feliz, simplesmente. E tudo voltava ao curso normal depois daquela maratona de trabalho e vida, apesar de que há muito o curso havia mudado, drasticamente, com a entrada em cena daquele ser especial, entrada ou atravessamento, nos sonhos, nos planos, no dia-a-dia.  Mudara, tudo mudara tanto que talvez tenha aprendido ou apreendido de vez que uma das facetas do amor é a capacidade que tem de transformar. Mudar rumos e provocar enfrentamentos, sim porque estes estavam sempre presentes, posto que a vida então vivida era real, sem ou com pouquíssimos subterfúgios, muito diferente da virtualidade que reina nas relações fluidas ou fortuitas que majoritariamente se colocam em presença na atualidade. Continua a valer o que disse o filósofo. Amor não é o que completa e sim o que transforma, movimenta. Mas para isso, este precisa ser real, não idealizado. Parece piegas falar que amar é gostar do outro como ele é e não como gostaríamos que o outro fosse. Parece, porque a virtualidade projetada, idealizada numa euforia perpétua, como nos sinaliza Pascoal Bruckner, tem cada vez mais desenhado o exército de autômatos que hoje configura a grande maioria.  E como são perfeitos e felizes! Buscar na massa a multidão, fazer valer na rede a biopolítica, dos corpos, das lutas, é tarefa de mão dupla, retroalimentada pelo uso crítico desse novo território virtual. Difícil tarefa facilitada quando é possível ler o insurgente, enxergar suas ações, colorir seus retratos. Mesmo papel conferido à sétima arte ou a todas as artes. Dar visibilidade ao insólito e ao comum de todos nós. A maquiagem do cinema não é fake, transpira, sim, a fantasia de um real imaginado materializado, palpável, visível. Por isso dói, incomoda, mistura e borra. São as lágrimas.

E o filme. Woody Allen é esse crítico de si e da sociedade em que vive. Zoa de si, é personagem autobiográfico sempre, sempre. Em cada personagem. Ali está ele, bastante ciente disso, característica nem sempre assumida por aqueles que criam, o que quer que seja, como se a arte fosse uma exterioridade. Não é, nunca foi. É retorno, sabemos. Em síntese, o filme traz a esquizofrenia daqueles que optaram por viver na fantasia seja da luxúria ou da traição de si mesmos. Sim, grosso modo, quem trai, trai a si, mente para si e, consequentemente, vive uma falsa realidade, uma projeção do real. Uns enlouquecem antes de morrer, outros morrem vivendo essa ficção. Sim, por vezes adoramos imaginar outras vidas, possíveis ou impossíveis, mas outras. Sim, muitas vezes adoramos projetar cenários, mas a vida chama ao chão duro de andar e é preciso encontrar outras válvulas de escape menos sintomáticas para não-ser só um o tempo todo, sem se perder a si mesmo. Sim, talvez envelhecer seja reconhecer-se sem necessidade de espelho. Envelhecer talvez seja nascer dentro de si aos poucos e cada vez mais, de uma espantosa paz que esse reconhecimento traz e faz valer a pena cada fio branco, cada ruga ou cada perda do viço aparente que recobre a pele ainda não tão vivida.

Blue Jasmine é isso, o desnude da loucura daqueles que optaram por um mundo de aparências, de simulacros, seja nas relações sociais, seja na constante e aparentemente necessária atualização de representações de uma histérica felicidade registrada em cliques, drinques. O enredo acaba, assim, servindo como alerta moral.

Mas Woody Allen não está só na escolha de (re)contar essa história. Nem a esquizofrenia que passeia por entre as cenas está imune à realidade de seus interlocutores. Ele bebe de Tennesse Willians, escritor e poeta estadunidense do século XX, que, segundo consta, depois de Shakespeare, foi o dramaturgo mais adaptado para além das letras. O escritor fora apaixonado por sua irmã, acometida pela doença, marcando assim seus textos de drástica densidade psicológica. O famoso livro “A streatcar named desire”, traduzido no Brasil para “Um bonde chamado desejo”, foi peça na Broadway, em 1947 e filmado em 1951, sempre com a direção primorosa de Elia Kazan. O livro levou o prêmio americano Pulitzer, da Universidade de Columbia, em Nova York e o filme foi indicado, na ocasião, ao Oscar de melhor filme, direção, tendo sido premiados com a estatueta os dois atores coadjuvantes e a atuação de Viven Leigh no papel de Blanche Dubois, interpretado, nesta versão, de forma magnífica, pela impecável atriz australiana Cate Blanchet, como uma mulher rica que perde todo o dinheiro do marido corrupto e tenta reconstruir a vida ao lado da irmã mais pobre, a britânica Sally Hawkins, também excelente no papel. Recheado de flashbacks, recurso utilizado pelo diretor em outras obras, o compasso do filme flui em meio aos usuais diálogos sarcásticos e uma  câmera mais ágil, mesmo em espaços exíguos, conseguindo outro efeito: quando está parada, foca o desamparo interior de Jasmine, reunindo drama e comédia e trazendo um Woody Allen desesperançoso.

E não seria possível terminar essa crônica sem citar a primorosa trilha sonora do filme que traz Back O’Town Blues – Louis Armstrong And The All Stars;  Speakeasy Blues – King Oliver; A Good Man Is Hard To Find – Lizzie Miles & Sharkey’s Kings of Dixieland; e Blue Moon  a canção recorrente da personagem principal Jasmine, uma espécie de leitmotiv da sua vida na narrativa. “Blue moon”, Rodgers & Hart, e que só poderia ser na voz de Billie Holiday e dos grandes músicos que a acompanham. Pela sonoridade, esse é mesmo um filme de Woody Allen.

Que venham os prêmios de um Wood Allen em forma, provocador e bem humorado, que não se furta em desnudar a natureza humana e suas angústias.

De resto são só palavras. Darão algum sentido as palavras ao que nos atravessa se o momento é sempre o da travessia? Como historiadora pergunto sobre as fontes, diretas e/ou indiretas, primárias ou não, que balizam nosso contar sobre o tempo, que dão suporte às memórias coletivas e individuais. O que resta a contar quando são os egos inflados que ocupam o lugar e sobra pouco da duração, de cada evento, de cada nervo acionado para pensar e agir num determinado instante?

Que venham as cenas. A encenação já é o que reina.

Que a história das nossas vidas tenha sempre, de fundo, uma linda canção. Inté!

# moniquefranco, cinemando com a música



quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O dia amanhecera cedo ou a anti-storytelling



O dia amanhecera cedo 
ou a anti-storytelling


O dia amanhecera cedo. E claro. Mas havia preguiça ou cansaço. No ar, da vida que respirava aos pedaços. O curso constante de ideias e indagações se assemelhava ao cursor. Pulsava ininterrupto e parecia fragmentar todos os afazeres simples, domésticos, necessários à sobrevivência sempre muito no limite. A isso a medicina chama de dispersão. Não é. Não para todos. Para alguns, o que reúne e viabiliza as ideias, a compreensão dos processos, é exatamente esse caos, interior, caos esse que orienta, inclusive, a necessária separação entre a vida e os problemas de fora, como dissera. Foi quando parei para pensar em algumas estruturas psíquicas, nem sei se assim posso chamá-las, leiga e despretensiosamente. Aquelas que operam no caos paradoxal sem cessar e, produzindo efeitos, em parte poderosos, posto que potentes, e em outra parte misturados ainda, emaranhados com a própria unidade que produz o sentido. E aqui tomamos parte como algo contido neste todo que constitui a existência, humana, dotada de linguagem e entendimento – razão, diriam os gregos. Afinal, temos ou não? Quando, por quê? Muitas perguntas – diria aquele que planeja sem cessar, mas que não concebe a pergunta como resposta seja porque a pergunta se faz indesejada, expõe a resposta e põe a alma à deriva, seja porque a pergunta não cabe em si, é maior, do tamanho do medo da vida, da morte ou da entrega dita como certa, nossas únicas certezas. A necessidade do amor e a chegada da morte.

O paradoxo é considerado na filosofia como o limite de um sistema. Por isso a noção de corte epistemológico, ou de salto, rupturas e mudanças de rumo, mudanças históricas e/ou individuais que se tornam mais compreensíveis apenas quando do distanciamento das mesmas. É, de fato, por vezes é preciso distanciar para que o paradoxo se exponha e o limite se dê, alargue e condense (nem sei se em novas sínteses possíveis, não sei se abandonei a noção de sínteses). Li outro dia: “ Livros, mais do que longos, devem ser largos.” Certíssimo. Deve ser para caber. A extensão. Sair da lógica da profundidade, da hermenêutica do sujeito que conhece a si e o mundo por meio de uma indumentária interrogativa do próprio eu. Ah... o método! Talvez aqui a noção de síntese não seja mais necessária, como finalidade. Tampouco a ideia de interior. A extensão traz a possibilidade da superfície, antes vista como... superficial, volúvel, volátil e esta, como negativa! A superfície como toque, como o real imanente, vem à tona com essa possibilidade, como nesta crônica, curta e extensa daquilo que não é dito porque a pergunta cala para que a resposta se instale no não dito. Ali está o limite, o paradoxo. O sim e o não se condensam em uma só unidade e gera o medo do des-conhecido que não precisa ser dito. É, apenas é. E a certeza do cuidado. Certeza incerta, por que afinal? Quem nos abandonou abertos para incerteza, no desamparo?

Quando se instalam as dúvidas, como se instituem as certezas, de si e do outro?

# moniquefranco, agosto de 2013

domingo, 7 de dezembro de 2014

Clementine, brilho eterno de um dia sem utopia ou sobre uma certa estrela cadente


Clementine, brilho eterno de um dia 
sem utopia ou sobre uma certa estrela cadente

O mundo das janelas azuis da empresa microsoft, espaço virtual que passou a habitar nossas vidas, cada dia com mais força, no mínimo, há duas ou três décadas, nos oferece uma ferramenta parecida com o mirabolante aparelho apresentado no belo filme de Michel Gondry, de 2004, traduzido no Brasil como Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças. Nele, no mundo virtual, restauramos o sistema numa determinada data. Voltamos no tempo e na estrutura da data então determinada. Tudo ou quase tudo de programas, de arquivos e de memórias voltam a funcionar, a partir dali, novamente. No filme, um médico neurocientista descobre uma técnica de apagar da memória entes queridos, reunindo as peças detonadoras de lembranças e voltamos ao tempo onde aquele passado não existe mais.

Mas a vida não é um filme e não possuímos ferramentas de retroceder no tempo para além das lembranças que ficam nos episódios, nos ares, nos toques. Não há como dar um restart em datas passadas. Temos sim como retomar a vida a partir de um novo marco, cujo princípio seja cada um de nós. E aprender quem vale ou não ser lembrado. E entender o que devemos matar. Morrer para fazer matar. A famosa morte do pai ou a morte de Deus. Morremos, sabemos, todos os dias, ao viver. A opção de ter a vida como centro deste fluxo é quase sempre nossa. Existem formas de vida mortas. Seres mortos-vivos. Os que não conseguem a si mesmos ver e deixam a vida passar sem viver, sem ao menos saber, a si, ler, compreender.

O mundo do amor, esse estranho sentimento, posto que nos coloca constantemente reféns quando deveria representar a liberdade, carece, muitas vezes, de uma certa utopia para prosseguir. E com o escritor uruguaio Eduardo Galeano aprendemos simplesmente que “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

Utopia vem dos radicais gregos /não e topos/lugar, ou seja, o não-lugar. O conceito foi cunhado pelo escritor inglês Tomas More, no início do século dezesseis, num livro homônimo que descreve uma sociedade perfeita em todos os sentidos. É com esse não-lugar que muitos não conseguem se relacionar na busca constante pela estabilidade enquanto o curso é o que rege. Não se agarra o fluxo, tampouco se solta nele. O fluxo é energia que faz mover todas as formas de ser e estar. Viver e morrer.

Protótipo do amor romântico, da cara metade, a outra face da laranja, a utopia amorosa parece conter o mesmo sentido perigoso da busca da perfeição ou da harmonia, contido no conceito inicial, dotado, ainda, de uma racionalidade que nem sempre nos habita. E isso vem marcando e aniquilando subjetividades e afetos ao longo do tempo, posto que essa perfeição nos escapa ou decepciona, posto que inexiste. É o não-lugar. A concepção trazida pelo professor Julio Groppa Aquino, de que amor não é o que completa e sim o que transforma, é emblemática desse contexto. Não o que estanca, mas o que movimenta. O amor é fluxo heraclitiano. Em tempos de amores líquidos, entender que o fluxo é denso e contém em si todos os elementos do uno é tarefa para ser ensinada. A arte cumpre esse papel quando incita expor parte do todo. Cada obra de arte é um pedaço de um ser, parte de um todo. E movimenta.

Mas tendo como princípio o conceito utópico, chegamos, com frequência, a um paradoxo, este entendido como limite de um sistema, limite que imputa aos sujeitos envolvidos uma tomada de decisão. Sim ou não, para onde seguir. Há os que nos limites paradoxais da vida deixam o barco à deriva. Há os que tomam o leme e traçam caminhos, mesmo que difíceis, mesmo que desafiadores.

Assim se faz a história.

A história é feita de nossas mãos, ações e determinações, e o brilho eterno da noite será sempre o das estrelas cadentes, que riscam o céu para informar: olha! passo rápido, se você não me admirar, ver, entender e comigo traçar enredos... vou simplesmente apagar. E o brilho eterno mais uma noite escura irá se tornar. E perdemos o brilho e isso fica em cada um de nós, a perdurar.

Maior do que qualquer suicídio, é a morte da alma: deixar passar as estrelas cadentes e não ver.

#moniquefranco, no limite paradoxal de um sistema

Vale assistir a fala do Julio Groppa sobre a temática