quarta-feira, 30 de março de 2016

Na luta ou para não adoecer


o que adoece
é o que paralisa
deprime
oprime a ação
torna menos nítida a utopia
ameaça tudo de escuridão
mas o breu é iluminado
quando não estamos separados
quando a luta é alegre
somos o movimento
dos que imaginam possível
a partilha
presente
de todos
de cada um

não existem dois iguais
dois irmãos gêmeos
dois amores
dois mortais
a igualdade não é reta
ela se curva aos múltiplos desejos
acorda cedo os que labutam
protege os artistas da madruga

não existem dois iguais
mas a história
sim
se refaz

o que adoece
é o que paralisa
o movimento é sempre mais.



#moniquefranco, 30/31 de março de 2016, por uma frente popular e democrática a nos guiar, outros marços virão.



Miltom e Elis. Canção para Vera





domingo, 27 de março de 2016

A luta é alegre ou para Heloísa




a vitrola da sala tocava
Mr. Tambourine man
a casa fora toda aspirada
o vento que assopra e suga
umedece o pano simples
que completa a limpeza
e Dylan renasce também
no poema que teve a sorte
de ter por perto
lápis e papel
e neste momento nos faz crer
que lavamos os vermes
que nos roubam o alimento
a paz
o poder que apodrece
não mais

sabemos
nossos corações embalam as danças
das mãos
unidas
e letras
dispostas a continuar marcando
seu tempo de história
desejando força às mulheres
todas
que lutam e celebram
a existência
que em si mesmas
se faz perene
quase eterna

o que chamam de idade
parece pois
ser
o tempo dizendo
pare
venha aqui me ver
e se alegre por viver

escolha o presente
a mim
se coubesse ofertar
escolheria multiplicar
os dias e as noites
que estamos acolhidos
por entre os entes queridos
escolheria encurtar as distâncias
para além do virtual
e a virtude tão somente seria
agradecer por estes momentos
da entrega simples e honesta
que compõe harmonia
e o coro canta
-       Hei Mr. Tambourine, a luta é alegre, a luta é aqui e agora. Presente.


#moniquefranco, Páscoa, 27 de março de 2016, celebrando a nova idade da Heloísa e de cada uma de nós.






quinta-feira, 24 de março de 2016

Dê aos que têm fome ou um poema para Fernand,Michel, Friedrich e Hanna



o que me faz 
parecer um trovão
toda vez que ele ecoa
um raio de luz
guia meu coração

é bom lembrar
quando a política 
causa tristeza
pode ser
que nela resida
a esperança
de que nos pactos
alguns de nós
avancem
movimentem
aticem
uns tantos
muitos
e mudem

a história
é de longa duração
já nos disse o professor
que não é profeta
mas identifica
os fluxos
macros
grandes extensões
epistemes
paradigmas
assim como o outro
mestre
identifica
os micro poderes
podres
vazam
as redes
de interesses
sempre privadas
mesmo que públicas

a troca
entre os homens
a troca
entre os outros
povos
opiniões
costumes ou práticas
não dizem da verdade
única
de cada um
indicam
apenas a existência
de um pequeno homem em nós
nossos furtos diários
fortuitos
nossos desvios
de caráter
voltam nos sonhos
ou no medo
de avião

à revelia da moral
do certo ou do errado
do bem ou do mal
verdades absolutas
têm indicado
apenas
a pobreza de tantos
em detrimento de poucos
poderosos
asquerosos
e por que não dizer
mentirosos

qualquer ruptura
oprime para quem sabe expandir
deprime em silêncio
para depois poder ouvir

o som do trovão
lá do céu
parece dizer
não
não podemos
nos acostumar
com a banalidade do mal

fascismo não

o que me faz 
parecer um trovão
toda vez que ele ecoa
um raio de luz
guia meu coração.


 #moniquefranco, 23/24 de março, noite de raios e trovões e uma manhã de poemas a virar canção. Ninguém me rouba a esperança não.







sexta-feira, 18 de março de 2016

Lula, os vikings não eram bárbaros ou para o meu Miguel e tantos outros Migueis no mundo


A história vai contar, porque toda história é memória e isso é uma conquista, que no dia 18 de março de 2016, o ex-presidente Lula tomou posse da Casa Civil do governo Dilma Rousseff, no Brasil. Eu estava, com o meu adorável cão, esperando uma consulta numa veterinária em Laranjeiras, bairro considerado reduto de intelectuais no Rio de Janeiro. Na TV a Globo ligada transmitia a posse com comentaristas tecendo juízos de valor conservadores e golpistas. Das dez pessoas que lá estavam, a maioria concordava com a Globo. Um rapaz que entregava marmita a um funcionário e a própria veterinária foram meu consolo. As lágrimas vieram vendo e ouvindo a posse tão dramática, quase incrédula do que a Globo comentava. Mais tarde dois episódio parecidos se sucederam. Num supermercado da Zona Sul enquanto aguardava o pedido, as televisões espalhadas transmitam a Globo e incitava a todos a dizer – ladrão. Já no cabeleireiro mais simples do bairro, pintando cabelo, o conjunto de clientes e mesmo funcionários, a maioria oriunda das comunidades do entorno, ouviam as mesmas transmissões golpistas e aderiam de forma histérica sem saber que perderiam, de fato, a voz. Nojento, triste, revoltante.

O governo está ameaçado pelo clã dos Marinhos e seus vassalos, incluindo Moro, o judiciário do Paraná, o Ministério Público paulista e pela Polícia Federal, sem falar na Folha, na Record e os declaradamente fascistas que querem a cura gay, entre outros retrocessos impensáveis num passado recente. Está sendo ameaçado pela FIESP, que distribui filé mignon aos manifestantes aos servos, pela FIRJAN.  Umberto Eco, que nos deixou faz pouco tempo, defendia a tese de que estaríamos num “retorno” das estruturas de poder medievais e, em um de seus últimos ensaios, denunciou o papel esmagador da mídia, sobretudo da Internet. Em todo Brasil a elite se articula e leva consigo hordas de população que não imagina seu futuro. Apenas tem ódio, finamente inserido em seus corações, cotidianamente. Massacre psicológico e econômico. Para além da ampliação das privatizações, concessões,  até a CLT está ameaçada de retrocesso. Mas o povo tem ódio, bate panela. Não caiu a ficha. Parece mesmo apenas faltar as prisões obscuras e a censura deslavada já que os grampos já foram, na prática, autorizados na tosca justificativa de um juiz de primeiro grau. Inaceitável para qualquer Estado de direito Democrático.  

Já no fim do dia, numa conversa com uma aluna querida e amiga, comentei que meu filho Miguel, com seis anos, havia passado no chamado “ Vestibulinho” do Colégio Teresiano, na zona sul do Rio de Janeiro, com uma redação intitulada “ Os Vikings não eram bárbaros”. Isso porque, havíamos visitado um museu na Dinamarca, onde mora sua madrinha. Eu o presenteie, de antemão, à época, com um pequeno livro homônimo que descreve a entrada desses povos num momento de decadência do Império Romano do Ocidente, em busca de um lugar mais quente e possível de sobreviver. De índole pacífica, na maioria agricultores ou caçadores, faziam uso de um chá para aquecer e dar força. Por isso aquelas representações que vemos daqueles amedrontadores olhos esbugalhados e, supostamente contraditoriamente, nos deliciamos com a dupla Obelix e Asterix. Ficaram taxados de bárbaros pela história dos vencedores e assim foram narrados por séculos.

A  essa vivência de meu filho Bourdieu intitulou de “capital cultural e capital social.” Essa lembrança veio me afetar, ao ler a mensagem pública dele, Miguel, na rede dizendo - “mãe, o Lula que ganhou meu voto no passado, que você votou, não existe mais”. Como ele muitos jovens, muitos brasileiros têm sido bombardeados com avalanches de versões de fatos que envolvem o Partido dos Trabalhadores e as figuras do ex e da atual presidenta - sim aqui ela é presidenta porque é mulher e líder de um país como Brasil e isso é muito relevante no contexto das conquistas feministas.

Não. Não existe apenas dois lados nessa história. Colocar o PT como culpado, para lá de não incriminá-lo, é excelente estratégia para facções extremamente conservadoras e moralistas que não desejam a mudança no país e sim sua total subordinação ao capital financeiro e ao mercado e avançam com suas pautas visando a desconstituição de direitos e a criminalização dos movimentos sociais.  Esses grupos não desejam o bem do mundo. Vão construir e destruir o que quiserem – desde romances até nossos passarinhos, peixes, flores. Nossa humanidade. Além de Maricá, Grumari, talvez queiram mesmo lotear as estrelas. Sabemos que a chamada direita, avança no mundo todo e por ela não existira essa crônica, não existiria o prosaico, o bem comum, só a contabilidade dos rendimentos dos investimentos. Colocar o PT como culpado e o impeachment como solução parece um “deja vu” atualizado. Já vimos esse filme meu filho! Você e toda uma geração não era nascida mas estudou. E o que faria o Temer? Temer ou não temer – eis a questão. Mudar o Ministério? E se o Cunha conseguir o que quer e antecipar às eleições? Em quem o povo brasileiro votaria? Com base em que? Na corrupção? De quem? Cadê a a mulher do Cunha com aquela assustadora plástica? O olho dela nunca fecha. Talvez entre eles seja preciso estar sempre de olhos bem abertos.

Assim como na Europa fascista da década de 30 do século XX, as massas estão sendo  mobilizadas ao ódio e à adesão à ideia de que o problema é o PT, um inimigo único, ou que o problema é o Brasil e seus brasileiros. Nossa herança colonizada ainda é ferida aberta. Nossa autoestima baixa. Ainda temos “medo de ser feliz”. As massas estão sendo conduzidas à aversão à pactos que sempre foram feitos, de forma muito mais promiscua e obscura, mas que não poderiam ser feitos, nem de longe, pelo PT para se manter no poder. Cobram dele quase um purismo, me parece, e ele perdeu a virgindade. Doeu. Os mais inteligentes comparam Lula a Macunaíma. Nunca havia comido mel e quando comeu se lambuzou. E ainda, Lula teria um ego muito grande. Pobre ou ex-pobre não pode gozar. Mais ou menos como Eduardo Paes que falou que Lula estava acostumado à pobreza.

Lula é Ministro da Casa Civil. Vai, não só, para fórum privilegiado como para dar sustentação ao governo. Seu julgamento vai continuar e ser ainda mais rápido. Não inventaram as regras. As cartas estão sempre à mesa no Brasil. Um suspiro e começa o jogo. Assim é o Brasil.  Moro não é herói. A operação Lava-jato está sendo usada para atacar propositalmente o PT em detrimento dos demais políticos de partidos e tal qual na Itália, parece produzir, mecanismos de corrupção cada vez mais sofisticados e não acabar com ela, aliais, nem tem essa intenção. É nítida a intervenção americana no processo como em outro momentos já comprovados na História do Brasil. Nesse sentido Moro é uma marionete irresponsável que está causando esse delírio brasileiro, junto, sobretudo, com essa mídia nojenta que é o monopólio da Globo e dos Marinhos. Não, não saímos do Coronelismo. Eu ouvi do meu compadre – você está parecendo torcida de time de futebol, referindo-se aos intensos compartilhamentos do golpe nas redes sociais.  Sim. É preciso não ser omisso, é preciso lutar pelo Estado de Direito. Temos poucas armas. Temos a militância já que parte do próprio povo, não apenas a elite, repete o coro da aversão ao PT.  A elite que foi às ruas no último domingo é a mesma que desfilou na Marcha com Deus e pela liberdade no golpe de 1964. As bases praticamente as mesmas. A tomada de poder, o golpe, é o que está em jogo.

Se não fui capaz de ensinar ao meu filho ler a história, talvez eu tenha falhado. Miguel nasceu em 1985, em plena abertura, mais precisamente um dia antes da morte do presidente Tancredo Neves, um ícone, na época, da democracia e da Nova República, e que tem, ironicamente, no seu neto, o retrato da espúria, política e pessoal. Talvez agora adulto, morando há cinco anos por conta própria e muito bem, brilhante e batalhador que é em prol do meio-ambiente, tenha querido romper com as “influências”. Quero crer que existem momentos que não queremos parecer com nossos pais. Ou eu mesmo que não soube ensinar. Sempre dispendi mais tempo para os meus alunos do que para com ele, já me reclamou quando jovem.

Sim, mudou. O Lula mudou e com ele a condução do partido, do PT, também mudou. Miguel me acha romântica. Romântico era o PT das décadas de 80 e 90.  Na presidência a questão da governamentabilidade e a defesa de determinadas pautas, mais populares, podem acabar com qualquer romance. Isso não significa defender a máxima dos fins justificarem os meios. É estrutural em nosso país, à apropriação do público por interesses privados, do macro ao micropoder, a partir tanto dos gestores públicos, gerenciando cargos,  políticos,  quanto no indivíduo, no sujeito social. É geral, da vaga do deficiente ao judiciário.  Assim temos o voto como mercadoria, a corrupção, o enriquecimento pessoal inescrupuloso. De fato, vimos que o PT e a coligação, infeliz coligação necessária para a hegemonia do partido, e ainda pequenos mas significativos avanços na construção de um Estado de Bem Estar Social, não foi capaz, na primeira pessoa do singular, mais uma vez, ainda, de romper com essa lógica que tem o pé, sem sombra de dúvida, na nossa longa história escravocrata. Jamais fomos libertos. Ainda devemos à venda do patrão. Parece eterno.

Mas se estamos distantes do sonho, ainda distantes de um governo popular, não podemos e não devemos nos silenciar. Nós conquistamos o Estado Democrático de Direito e ele está sendo demolido na nossa frente. Usurpado. Um enorme retrocesso já ocorreu. Nossa democracia é nova, muito nova. Ainda não se consolidou e está fortemente ameaçada. Há uma sangria na já frágil base do governo. A Comissão nomeada para analisar o pedido de impeachment é toda ré em outros processos e totalmente desfavorável a Dilma.  E ainda falam em golpe do PT.

Existe um golpe em curso mas das elites, dos conservadores e tem levado de bandeja o povo brasileiro, sem espaço para respirar. Um xadrez ainda impreciso que está levando a grande maioria à bancarrota. As bancadas do PMDB e do PSDB, entre outras, tão corruptas quanto, estão muito determinadas e agindo para manipular o impeachment do tapetão e promover as chamadas Indiretas já, posto que a Constituição brasileira, com sua também frágil história constitucional, prevê que, caso o presidente e vice forem afastados depois da metade do mandato a eleição dos novos líderes é feita por eles, apenas senadores e deputados. Nesse momento vale a Constituição. Para isso Temer cairia junto, acusado de obstruir a Operação Lava-Jato. A operação seria cuidadosamente engavetada, com ares de vitoriosa.

Não sejamos ingênuos ou oportunistas, sim porque há sempre os oportunistas. Eu mesma conheci um que se orgulhava por ser primo distante do Aécio e tinha como meta trabalhar em suas campanhas mas, como nunca foi lembrado, apesar de sua subserviência, na época em que o PT surgia como força popular, capitulou.  Que caiam as máscaras. 

Estamos no que muito bem caracterizou Agabem, já tão mencionado por mim em outros escritos, em pleno Estado de Exceção, que se caracteriza por  usar o direito e suas brechas para legitimar ações fortemente autoritárias e que ferem sobremaneira a soberania do Estado de Direito e suas duras conquistas, no caso brasileiro.  Constantes violações  passaram a ser parte de nosso cotidiano e caso o golpe se instaure, vão atingir a cada um de nós e a todos aqueles e aquelas que hoje se esquecem das lutas da nossa democracia.

Daqui há alguns anos espero ler para os meus netos e bisnetos – Os vikings não eram bárbaros, tampouco o Lula ladrão. Espero, ainda que o Brasil tenha saído da linha da pobreza e do analfabetismo real ou funcional. E que nossas conquistas não tenham sido usurpadas.  Quero continuar ensinando aos jovens a História e poder lembrar do sonho.
Não, a luta de classes não acabou. No Brasil parece estar começando.
Não, definitivamente, os vikings não eram bárbaros.


#moniquefranco, num texto emocionado, escrito na madrugada, sem revisão e sem tempo agora para a mesma. Preciso sair para passeata de hoje, 18 de março de 2016, sem medo de ser feliz e com orgulho de ser brasileira. E a título de empiria sincrônica, nesta madrugada, quase três da manha daqui, minha comadre da Dinamarca, sem saber desse texto, compartilha comigo um pequeno filme sobre a cultura Viking. É, o sonho não acabou.