guardei uma calcinha
branca
de rendinha
toda molinha
como se fosse uma oferenda
mas acabou virando lenda
de um amor que não teve fim
a calcinha foi usada
na verdade
descartada
numa noite de verão
corpos quentes e molhados
a jogaram para o chão
fica aqui esta calcinha
para as noites que virão
pois os olhos que se vêem
não costumam abrir mão
do que pode ser tão bom
mas toda a lenda tem preceitos
toda história
um senão
que não se sabe contar direito
mas que os sonhos vêm então
dando ordens aos fantasmas
que passeiam dando as mãos
criando mesmo a sensação
do retorno ao beijo e à afeição
trilha percorrida entre os dedos
marcada pelo desejo de apenas viver o não
o diabo viu de cima
e achou que recompensa
todo fogo acumulado
alimentaria
de luz
todo o planeta
e mesmo o padre desta história
apareceu
deu sermão
rogou praga
pediu novena
mas achou a solução
colocou lado a lado
e sem medo do final
mulher livre e homem liberto
dos medos que tinham desde então
e deixou soltos na história
os olhos
que cruzarão
trajetórias
rotas
mesmo que em colisão
praças públicas e barracas
ratazanas e baratas
vento seco no cabelo
chuva forte na memória
novos tempos surgirão
para o sim ou para o não
homem e mulher
renascerão
mas há aqueles que acreditam
nas palavras do discurso
nas certezas do lugar
e há os que preferem o susto
de ouvir cada soluço
como se fosse tempestade
e sem dó nem piedade
usam o silêncio e a saudade
para entender a equação
a gramática da vida
tem um nome
e é tesão
guardei uma calcinha
branca
de rendinha
toda molinha
estava mesmo molhadinha
e acabou virando lenda
de um amor que não teve fim
com o começo interrompido
o amor soube encontrar
a quietude e a inteireza de um lugar
que não se ilude com conceitos
nem aposta em preconceitos
ou em ramificações
pois há um belo homem a buscar
o seu próprio endereço
e quem sabe
um dia
informar
onde o vento faz a curva
numa noite de luar
e pra dizer da poesia
não se iluda meu leitor
quando é a dor que move o peito
mesmo riso
tem por certo
a solidão como preceito
e cá tomei a decisão
o poema há de contar
entrelinhas desta história
já que nada foi em vão
e levará o coração
a ouvir e a calar
e cada letra
vira um vão
de guardar a intenção
do que foi dito
como não
mesmo sabendo do efeito
de toda grande negação
pois se o não tem a potência
do que pode florescer
porque todo fim é o começo
quando o verdadeiro elo é o prazer
cabe ao homem e a mulher
deixar a voz do sonho
dizer.
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